{Ninguém é herói para o seu criado de quarto}
segunda-feira, agosto 30, 2004
 
lembro-me de estar no ano passado, depois dos incendios aqui em mafra, a olhar para um vale que tinha ficado completamente destruido. ao meu lado apareceu um velho que não conhecia. ficou ali a olhar, como eu, a ver aquela triste miséria. eu disse-lhe:

- chefe, isto é que está aqui um trabalho!...

o homem não disse nada. continuou com os olhos fixos na paisagem cinzenta. e depois, sem se mexer respondeu:

-É... um trabalho do caralho!

sábado, agosto 21, 2004
 
215511708

eu gosto da miuda da publicidade das chiclets ice.
a miuda das chiclets ice a andar decidida. a miuda das chiclets ice a fazer um ar meio supreendido e meio aborrecido por levar um encontrão no metro. a miuda das chiclets ice a sorrir. a miuda das chiclets ice a fazer pose e a escrever o numero de telefone. a miuda das chiclets ice a fazer um ar triste e desiludido. a miuda das chiclets ice a inclinar a cabeça e a fechar os olhos. a miuda das chiclets ice é, nesse último segundo de publicidade, a miuda mais gira do mundo. ou pelo menos a miuda mais gira da história da publicidade.
e quando o metro se vai embora
ela desaparece para sempre. porque não sei quem ela é. nem como se chama nem o que faz. eu até telefonaria (eu fui um dos que tinham caneta para escrever o numero de telefone, é mesmo o numero que lá está) se o numero não fosse de certeza errado. 215511708. eu fico, como o tipo do anúncio, a vê-la desparecer sem poder fazer nada.
por enquanto tudo bem. a publicidade passa todos os dias várias vezes. mas há-de desaparecer, mais cedo ou mais tarde. vou gravar o anúncio, penso. mas não gravo nada.

pago dez caixas de chiclets ice a quem descobrir o nome dela. 20 caixas se descobrirem o que faz ela da vida para além de publicidade para as chiclets ice. se faz outros anúncios, se faz parte do elenco de filmes de qualidade duvidosa que passam directamente para o circuito de vídeo ou se é modelo ou se é dona de casa e tem 3 filhos.
e pago 50 caixas de chiclets ice a quem lhe descobrir o número de telefone. o verdadeiro. o outro eu já sei: 215511708.
um dia destes experimento. pode ser que tenha sorte.






quarta-feira, agosto 18, 2004
 
Olha "minha miúda" que graça e encanto foi esse que perdeste?

terça-feira, agosto 17, 2004
 
Às vezes, com os meus já muitos cabelos brancos, com certas roupas, nalguns dias em que o meu andar é mais pesado, eu pareço mesmo uma mulher.

Mas não passo de uma míuda com questões de miúda, e problemas de miúda e fragilidade de miúda.







Ontem chovia quando me fui deitar.
Por vários motivos custou-me a adormecer.
Começou a trovejar.

Não me importa que chova em Agosto, eu sei que ainda vem aí muito Verão.

Não me importa ter perdido a minha graça e o meu encanto.

Sou uma miúda, não sou uma mulher. Isso ainda deve valer-me de alguma coisa.
Talvez valha, não sei...



terça-feira, agosto 03, 2004
 
Hoje apetece-me falar de um amigo. Ele chama-se Pierantonio e no penúltimo dia que passei em Bologna aconteceu-nos uma coisa bonita.
Estuda filosofia e nas horas vagas (e até nas que não são assim tão vagas) dedica-se a aprender línguas. Desde que o conheci que discutíamos. Estávamos sempre a discutir. Estávamos sempre a discutir tudo: os filmes, quais eram bons ou não; as dobragens, se deviam existir ou não; a guerra contra o terrorismo, se era legítima ou não; e o seu sentido de humor, se era sentido de humor ou falta dele.
Perdi muito tempo (duvido muito que o verbo correcto seja perder) a discutir coisas com o Pierantonio: coisas de importância e alcances variados. Passei um ano a discutir com ele.
O Pierantonio acreditava, entre outras coisas, na capacidade dos seres humanos de qualquer idade de falar línguas estrangeiras ao nível da perfeição: acreditava no bilingualismo à custa do esforço. Nunca vi esse esforço tão vivo em mais ninguém. Um dia perguntei-lhe sobre isso "mas porquê tanto esforço" e ele respondeu-me que estudava filosofia e que a linguagem era sempre uma espécie de território de resistência às ideias e que a multiplicidade de línguas o ajudava a pensar melhor certas ideias. Nesse dia não discutimos e eu fiquei a pensar no que ele disse.
E no dia da minha festa de despedida houve um momento em que estava a conversar só com ele e ele disse "façamos um brinde". E eu disse que sim, mas ao que havia de ser? Olhei bem para ele (que estava encostado ao meu frigorífico, lembro-me como se fosse agora) e disse "às línguas... que nos permitem discutir". Ele olhou para mim e torceu o nariz. "Discutir?" Nós sabíamos que tínhamos passado um ano a discutir mas... Pedi-lhe que reformulasse: "às línguas que nos permitem... amar? Parece-me mais bonito..." Eu ri-me muito e disse-lhe "Pierantonio que lamechice, reformulo eu..." e fiquei um bocadinho a pensar, nós os dois para ali, encostados ao frigorífico de copo na mão e então eu disse-lhe "às línguas que nos permitem compreender uns aos outros" e ele riu-se e disse "isso é muito bonito, acho que vou chorar". Eu disse-lhe que não chorasse e brindámos.

 
Eu fico muito tempo parada a olhar para o visor do telemovel.
Penso que sempre detestei Agosto, que hoje queria ir à praia e como é que é possível que esteja a chover. Penso que o tédio que consigo gerar dentro de mim é o meu pior inimigo. O que me arruina o cool. Dou graças a Alguém que este blog exista para tirar isto de dentro de mim.
Penso em ir finalmente etiquetar as minhas cassetes de video, penso em fazer o tal mix-cd que quero enviar à Eleonora ou em procurar estágios (possibilidades de estágio na internet). Recebo uma mensagem do João Rosas: "vamos tomar um café?". Continuo à espera da mensagem sobre o estágio. Olho mais uns minutos para o ecrã do telemovel. Este visor é tão pequeno.
Oiço uma canção antiga do Beck (aquela que o Badly Drawn Boy tocou o ano passado):

Well I'm puttin' it down
When you're not picking it up
When I'm puttin' it down
But you treat me like a clown
And I don't want to be funny

Penso em cada um de vocês e no que estarão a fazer agora. Até nos mais antigos. Até nos mais ausentes. Até nos que, concerteza, não chegarão a ler isto.
Penso em Itália, na minha casa antiga, nas cidades que visitei, nas pessoas que conheci e em como tudo me pertence tão pouco: Trieste, Florença, Veneza, Nápoles, Trapani, Palermo, Milão, Ferrara e Roma. Sobretudo Roma. Tudo me pertence tão pouco, por muito que queira.
Penso que nem Lisboa nunca foi minha e que estou de volta a casa e que quero sentir os pés no chão e que tenho de aprender a não confundir o aborrecimento com a tristeza e que tenho que aprender o que fazer com esta vontade de fugir de cada vez que me sinto assim.


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