{Ninguém é herói para o seu criado de quarto}
segunda-feira, novembro 29, 2004
 
Remember me... Try your best.



- Ok...
- Ok?
- Ok.
- Ok.


(eternal sunshine of the spotless mind)

quarta-feira, novembro 24, 2004
 
E pela primeira vez, desde que comecei a trabalhar, não consigo manter a concentração, incomodam-me os andaimes nas janelas, os ruídos urbanos, o burburinho de cidade. Já estive a espreitar o elétrico, a apostar comigo própria que é hoje que volta a chover. Consulto o mail de 5 em 5 minutos.
E pior do que tudo o resto, tive o dia inteiro as mãos frias. Eu, que nunca tenho as mãos frias.

Nunca mais trago cds do Cohen para o trabalho.

 
Eu não tenho uma lista das minhas canções preferidas porque nunca fui obrigada a fazê-la. Mas se a tivesse que fazer, duas canções dessa lista seriam do Tim Buckley. E uma delas seria esta:

Song To The Siren

Long afloat on shipless oceans
I did all my best to smile
'Til your singing eyes and fingers
Drew me loving to your isle
And you sang
Sail to me
Sail to me
Let me enfold you
Here I am
Here I am
Waiting to hold you
Did I dream you dreamed about me?
Were you here when i was full sail
Now my foolish boat is leaning
Broken lovelorn on your rocks,
For you sing, "Touch me not, touch me not, come back tomorrow:
O my heart, O my heart shies from the sorrow"
I'm as puzzled as the newborn child
I'm as riddled as the tide:
Should I stand amid the breakers?
Should I lie with Death my bride?
Hear me sing, "Swim to me, Swim to me, Let me enfold you:
Here I am, Here I am, Waiting to hold you"


terça-feira, novembro 23, 2004
 
Para o blog que fez anos:

Pode-se escrever

Pode-se escrever sem ortografia
Pode-se escrever sem sintaxe
Pode-se escrever sem português
Pode-se escrever numa língua sem saber essa língua
Pode-se escrever sem saber escrever
Pode-se pegar na caneta sem haver escrita
Pode-se pegar na escrita sem haver caneta
Pode-se pegar na caneta sem haver caneta
Pode-se escrever sem caneta
Pode-se sem caneta escrever caneta
Pode-se sem escrever escrever plume
Pode-se escrever sem escrever
Pode-se escrever sem sabermos nada
Pode-se escrever nada sem sabermos
Pode-se escrever sabermos sem nada
Pode-se escrever nada
Pode-se escrever com nada
Pode-se escrever sem nada

Pode-se não escrever


Pedro Oom


sexta-feira, novembro 19, 2004
 
o blog fez anos.

3

não foi de certeza o seu aniverário mais feliz. ficou aqui sozinho. e não sei sequer quem é que se lembrou dele. eu leimbrei-me, mas estava ocupado a ver, finalmente, o bonjour tristesse.
há tres anos a ana iniciou isto, o que quer que isto viesse a ser. ninguém podia imaginar o que isto veio a ser. o que isto foi. o que isto é.
há tres anos eu apresentava-me e iniciava a minha participação. eu era o sergio miguel e achava e avisava previamente que não teria muita coisas a comunicar ao blog. dizia-o para evitar "mal entendidos e decepções". não foi que aconteceu e quase mais não fiz que alimentar aqui mal entendidos e decepções.
e o resto
vinha depois.
vieram muitas coisas. a maioria talvez completamente dispensável. outras nem tanto. vieram demasiadas coisas em pouco tempo. sobrou pouco. uns restinhos que que aqui pingam a espaços.
agora é mais fácil imaginar o que o blog vai ser. já se viu que não vamos acabar com ele, nem ele connosco. vai viver de e para os restos que ainda ficaram. eu também gostava mais "como era dantes" mas nem tudo mudou. e o que não mudou sempre pode vir parar aqui. esses restinhos que continuam iguais.
já não tenho muito para comunicar ao blog.

o resto
vem agora.

quarta-feira, novembro 10, 2004
 
[ conclusão: nem o presidente da república morre nem a gente janta]

Sonhei, numa das noites em que o Arafat morreu outra vez, ou seja, na noite de segunda para terça, que tinha sido convocado para uma audiência com o presidente da república. Cheguei ao local com os meus pais, que me levaram na carrinha e depois iam para a casa da minha tia Rosário. O edifício onde supostamente estava o presidente da república era, por fora, parecido com a aula magna e por dentro mais parecido com o edifício da Gulbenkian na parte dos sofás. Quando entrei vi muita gente conhecida da televisão e dos jornais. Estavam todos bem vestidos e eu estava vestido normalmente. Tinha umas botas rotas mas não é que estivesse muito preocupado com isso. Não estava. Aparentemente aquilo era uma festa promovida pelo presidente da república e as pessoas andavam ali a fazer o que as pessoas fazem nas festas. Estava lá o Mira Amaral que veio ter comigo

- então rapaz?! O que é que estás aqui a fazer?

- o presidente da república chamou-me para uma audiência. É por isso que estou aqui.

- mas hoje estamos aqui por causa de um jantar. O presidente da república vai dar um jantar. Deves ter sido convidado para jantar. Não me parece que vás ser recebido para essa tal audiência. por isso, olha, aproveita o jantar.


Eu olhei à minha volta e não vi em lado nenhum o presidente da república. Depois eu e o Mira Amaral ficámos por ali à conversa. O Mira Amaral foi muito simpático e fez-me sentir muito à vontade e depressa ultrapassei o meu preconceito por causa da reforma da caixa geral de depósitos. A conversa fluiu durante bastante tempo embora não me lembre dos assuntos lembro-me do tom descontraído, como se fossemos velhos amigos. Só que entretanto estava a ficar tarde. E nem o presidente da república aparecia nem o jantar era servido e, embora as pessoas continuassem aparentemente divertidas nos seus fatos caros eu começava a ficar com fome e decidi ir embora. Á saída estava um carro da presidência à minha espera, um daqueles, escuros e grandes, com o ar sério dos carros de estado. saí depressa e não prestei declarações. como o Marcelo Rebelo de Sousa.

Depois
acordei
que sonho mais estúpido, pensei. Nem jantei nem vi o presidente da república.
e fui outra vez à casa de banho mijar mais uma vez pelo rabo.

"a preparação para o exame considera-se completa quando evacuar água totalmente limpa".

Estava quase.

 
Quem me salvou a vida?


Ando a tentar lembrar-me de quem me salvou a vida.
Foi a Ana ou a Liliana mas eu não consigo lembrar-me.
Lambram-se? Foi um dia em que íamos a subir a Avenida da Republica e numa das transversais, uma de vocês puxou-me o braço, impedindo-me de atravessar e assim eu não morri atropelada.
Foste tu Ana? Ou tu Liliana?

quinta-feira, novembro 04, 2004
 
O dia em que George Bush foi reeleito




9h da manhã, em Torres Vedras.

Fui ao Centro de Emprego da minha residência passar 4 horas fechada numa sala, a ouvir barbaridades, a manhã progrediu de uma maneira deprimente e havia um computador na sala que fazia muito barulho.
A mulher que falava parecia ter os olhos claros (as pessoas na zona de Torres, muitas têm os olhos claros por causa das Invasões Francesas, segundo o meu pai), depois quando foi o atendimento individual afinal eles eram castanhos e fiquei a pensar nisso.
Indignei-me com algumas questões burocráticas, tecnocráticas, que, ao que parece, já me bloquearam a entrada nalguns empregos.



13:30, em casa

O meu pai tinha feito o almoço, contou-me que o Bush tinha ganho as eleições e a bola que estava a beliscar desde manhã as paredes do meu estômago dorido (também devido ao facto de ter ficado sem protectores estomacais e ainda não ter pedido à minha irmã pra me passar a receita), essa bola ficou enorme, senti o estômago a rebentar.
Vai ser um dia mau, pensei, e não me enganei.
O meu pai dizia, «eu não me costumo chatear com os resultados mas realmente os americanos... isto só melhora quando aqui em todo o mundo, quando um americano passar, toda a gente dizer estúpido, estúpido, Quioto, estúpido,...»
Ele estava visivelmente irritado.
Eu estava a perder a fé.

Lembrei-me que sonhei com o Hugo sentado num telhado a voar no meu quintal. O Hugo é um amigo meu que deu um tiro na namorada, fugiu, foi apanhado pela polícia e vai ser preso por tentativa de homicídio.
Eu não consigo ultrapassar isso porque gosto dele.




14:30, a caminho de Lisboa (para uma entrevista numa empresa de trabalho temporário)

O meu pai deu-me boleia pra Lisboa e fomos a falar dos problemas do país, da incompetência dos centros de emprego. Contei-lhe o que ia fazer a Lisboa, contei-lhe que eu não gostava de estar sem trabalhar em qualquer coisa, de não ter um rendimento.

«Os teus irmão estudaram mais anos que tu e já são independentes, nós não estamos assim mal monetariamente, não precisas de fazer esses trabalhos se não gostares, agora deves é estudar, fazeres o mestrado...»

O meu pai entretanto contou-me quando tinha 20 e tal anos, e estava à procura de emprego e percorria Lisboa a pé, porque não tinha dinheiro para os bilhetes.
Foi de Algés até ao Lumiar a pé e estava muito calor. Nessa altura ele já estava a começar a ter tuberculose e começou a cuspir sangue.
Passou pela casa do primo Fernando, um arrogante mentecapto de Lisboa que ia passar os fins de semana à província (à Sapataria, terra do meu pai). Nunca gostei desse homem (vocês sabem dessa minha aversão, nem vou adiantar mais) e então esse primo mandou a filha pra longe do meu pai porque ele estava a cuspir sangue e mandou-o ir a um compadre dele para lha arranjar um emprego.
E o meu pai chegou lá e o trabalho era enrolar fios em transistors, e o compadre do primo Fernando disse que ele podia começar nesse momento.
Mas o meu pai, que já tinha passado muitas necessidades, não aceitou o emprego.
E pouco mais tarde, foi internado e «olha, ficou o assunto resolvido».
Uns anos depois, quando ficou curado, houve um concurso e ele foi dos melhores entre centenas (diz ele) e entrou para a RTP, onde esteve durante 30 e tal anos e da qual foi mandado embora há 6 meses atrás.

Fiquei triste com esta história, apeteceu-me chorar.
O meu pai também tinha lágrimas nos olhos.

Este tem sido o pior ano da minha (curta) vida e está a custar muito a passar.
Mas seria pior se morasse em Fallujah.


17:30, avenida Duque d?Ávila

Tinha estado a chover e havia um arco íris. O arco íris, segundo o Antigo Testamento, é o sinal da aliança de Deus com os homens.
Ouvia Pluto.
Lembrei-me do Antes do Anoitecer, que fui ver ontem.
Reprimi muitas verdades em mim ao longo do tempo.
E o Bush foi reeleito.



22:30, casa, a escrever para o nosso blog

O meu psicólogo disse-me que lamentava mas que não conseguia ter pena de mim, disse também que eu era uma mulher, que estava sempre a pôr paninhos quentes nas coisas e que eu devia fugir para o estrangeiro.

A vida não é que o que eu quero.

Mas hoje, a caminho de Torres, lá estavam as vinhas, com as cores do Outono... meu Deus, eu sempre adorei as vinhas nesta altura. Quem me dera que as imagens das vinhas ficassem para sempre na minha cabeça.

Acho que vão ficar.

Mas o Bush foi reeleito e mais milhares de pessoas vão morrer.
E a bola no estômago é enorme como o arco íris visto da Duque d?Ávila.


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